Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Brasil colônia e o ‘complexo de vira-lata’

Subscrevo Nelson Rodrigues: o complexo de vira-lata é um problema nacional e parece estar se acentuando cada vez mais

por Merli Diniz
Publicado em 23/07/2025 às 21:19Atualizado em 24/07/2025 às 08:27
Merli Diniz (Merli Diniz)
Merli Diniz (Merli Diniz)
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Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos brasileiros, criou a expressão “complexo de vira-lata” e o conceituou, como o descrito abaixo:

“Por ‘complexo de vira-lata’, entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”

Para ele, o fenômeno não se limitava somente ao campo futebolístico. Concordo plenamente e exemplos não nos faltam. Comecemos com a nossa belíssima língua portuguesa: Olavo Bilac, poeta brasileiro, escreveu: “Última flor do Lácio, inculta e bela”. Inculta, numa referência à origem da nossa língua ter sido derivada do latim vulgar, falada pelas camadas populares inferiores, diferente do latim clássico, norma culta das classes superiores, espelho da nossa baixa autoestima. Outro exemplo é valorizar mais a cultura “alheia”, tais como cinema, música ou literatura, como se nós brasileiros não fossemos capazes produzir com altíssima qualidade, música, livros, filmes. Belo exemplo, “Ainda Estou Aqui”, que conquistou recentemente o Oscar, foi extremamente elogiado em outros países, sendo sucesso de bilheteria. No entanto, teve “patriotas” que o criticaram negativamente por não entenderem, até hoje, o que foi a ditadura no Brasil, as mortes que provocou e o regime de medo e opressão que nos trouxeram em seus vinte e um anos de duração.

Subscrevo Nelson Rodrigues: o complexo de vira-lata é um problema nacional e parece estar se acentuando cada vez mais.

Tratemos aqui da nova versão, bastante atualizada no que se refere aos desvarios do presidente dos Estados Unidos - e não da América - em relação ao Brasil, aos tarifaços que pretende impingir a nós e a todos que não rezem na mesma cartilha do doidivanas. A questão não é o aloprado, mas sim aquela parcela de brasileiros que se veste de bandeiras e bonés estado-unidenses em apoio às ofensivas a nossa soberania, sem buscar a informação verdadeira dos prejuízos que isso pode representar para a economia nacional em todas as suas vertentes e consequentemente para os consumidores.

E as asneiras do papagaio ruivo sobre nossas instituições? É o STF, é o desprezo e a grosseria sobre a soberania nacional. Não tem o menor apreço pela diplomacia, pelo respeito e consideração por quem não lhe agrada. Se acha o “rei da cocada preta”. Vale lembrar que a expressão foi originada com a chegada da família real ao Brasil, quando o imperador português, Dom João VI se concedeu o privilégio de comer as primeiras cocadas pretas, que eram as melhores e as mais cobiçadas. Só após os demais nobres poderiam fazê-lo.

O trágico disso tudo é o apoio dos obtusos que por aqui o seguem. É o Brasil colônia falando. Nelson Rodrigues atualíssimo.

Nelson, não se revire no túmulo, não, mas o complexo de vira-lata mais presente do que nunca: certo aplicativo municipal, no lugar da bandeira do município, usa a dos EUA.

Lembrando Caetano e Gil, na música “Sampa”: “é que narciso acha feio o que não é espelho... porque és o avesso, o avesso do avesso.”

MERLI DINIZ

Professora, advogada, poeta e cronista. Vice coordenadora da Comissão de Direito e Literatura da 22ªSubseção da OAB Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às quintas-feiras