Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Cenários da guerra tarifária

Os EUA se insurgem, portanto, contra o BRICS e atacam os seus integrantes isoladamente. Ademais, tocou ao Brasil um golpe à sua soberania

por Durval de Noronha Goyos Jr.
Publicado em 29/07/2025 às 21:49Atualizado em 30/07/2025 às 08:37
Durval de Noronha Goyos Jr. (Durval de Noronha Goyos Jr.)
Durval de Noronha Goyos Jr. (Durval de Noronha Goyos Jr.)
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A ameaça da imposição ilegal de sanções tarifárias pelos EUA ao Brasil faz parte de um plano estratégico de evitar o colapso da sua influência global desmedida no último século, obtida mediante fraudes em larga escala. Desta maneira, a ação não é voltada especificamente contra o Brasil, mas contra a sua participação nas forças que, ao sustentar o Direito internacional, procuram limitar os abusos e gerar a prosperidade coletiva. Os EUA se insurgem, portanto, contra o BRICS e atacam os seus integrantes isoladamente.
Ademais, tocou ao Brasil um golpe à sua soberania.

A participação dos EUA nas negociações internacionais sempre foi abusiva. O país lança mão dos organismos internacionais por eles controlados; da intimidação; da desestabilização; das guerras por procuração; dos bloqueios; das ações armadas; das fraudes políticas e judiciárias; das sanções financeiras, comerciais e tarifárias, dentre outras. Atualmente, esse receituário tem menor impacto, pelo crescimento econômico e resistência dos prejudicados.

Face ao quadro, não cabe ao Brasil aceitar a arrogante imposição e ataques à sua soberania, entretanto também não serve um conflito aberto e desmedido, mas sim medidas tópicas em retaliação. Note-se que o Brasil teve em 2024 um déficit comercial com os EUA de US$ 6.8 bilhões, numa corrente bilateral de US$ 75 bilhões, conforme estatísticas estadunidenses. Os itens sensíveis da pauta exportadora brasileira são a carne, celulose, petróleo, sucos e aviões. À exceção dos aviões, ela é composta por mercadorias, precificadas internacionalmente.

Isso permite que as mercadorias possam ser direcionadas para terceiros mercados, inclusive aqueles que passarem a suprir os EUA. A circunstância permite a busca de amplos mercados alternativos pelo Brasil, sem prejuízos de monta. Por outro lado, alguns destes produtos são de interesse estratégico para os EUA e são vulneráveis para aquele país, do lado brasileiro, à imposição de impostos de exportação ou restrições de segurança nacional, dentre outras de caráter não tarifário.

Por sua vez, os itens principais das exportações estadunidenses são o maquinário, farmacêuticos e aviões. Tais produtos podem ser facilmente obtidos com vantagens de custo e qualidade noutros países. Ademais, o balanço de pagamentos brasileiro é desfavorável ao Brasil em cerca de US$ 100 bilhões face aos EUA. No entanto, os fluxos respectivos são vulneráveis, dentre outras medidas, à tributação brasileira, que poderia alcançar os interesses estadunidenses. O Brasil hospeda 5 mil empresas daquela origem, que importam de suas matrizes.

Propõem-se negociações pontuais com os EUA a respeito das ameaças, mas está em jogo, além das tarifas, a soberania. Essa é inegociável! Ignora-se que, institucionalmente, os estadunidenses não negociam: eles impõem as suas posições; não buscam o denominador comum: usam o chamado jogo de soma zero, no qual uma parte tudo leva, os EUA, e a outra tudo perde. Assim, negociações com aquele país, no sentido estrito do termo, são improdutivas e estéreis.

Todavia, a crise deve ser gerida sem açodamento, com tratativas diplomáticas com os agressores, mas também com os aliados do BRICS e nos organismos multilaterais, para advogar a conveniência do livre comércio, do Direito internacional e dos ganhos generalizados. Tais argumentos devem ser expostos à opinião pública internacional de maneira firme e inequívoca. Impõe-se um plano estratégico de curto, médio e longo prazo para substituir os EUA nas parcerias com o Brasil.

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.

Advogado e jurista. Árbitro do GATT, da OMC, e do CIETAC. Foi negociador dos tratados da OMC. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras