Dinorath e os jornais daqui
“Jornais de Rio Preto” exigiu meses de investigação hemerográfica. De cada pequena ou grande publicação, a partir de 1903, a autora narrou com letras videntes as citações essenciais, o feito relevante

Em 1994, aos 70 anos, o jornal “A Notícia” editou um livro provido de poderosa argúcia e vislumbre opinativo: “Jornais de Rio Preto”. Reafirmava a autora Dinorath do Valle que a imprensa tem por objetivo ser instrumento fiscalizador e crítico. Ela é “o tambor das selvas, age e reage aos acontecimentos, até quando concorda”. A escritora e jornalista realizou paciencioso trabalho historiográfico ao fisgar das páginas impressas indícios etnológicos da comunidade, mesmo que, por honestidade intelectual e costumeira franqueza, suscitasse desconfortos intestinos. Dinorath era convicta de que o rufar de seus tambores prestaria valoroso serviço à sociedade rio-pretana e, distanciados no tempo, se acenderiam mais luzes aos episódios vividos.
Com carteira assinada ou em colaborações voluntárias em todos os jornais e revistas de sua época, as colunas de histórias locais e regionais, e de arte-educação, além de crônicas, contos, romances, roteiros de cinema, todo esse empenho laboral fez de Dinorath uma referência das informações, das artes e cultura da cidade e do Brasil. Produziu por anos seguidos “A Crônica do Dia”, em “A Notícia”, lida com dicção emotiva na estação de rádio. Foram incontáveis textos a enunciarem não só recortes sensíveis do cotidiano, como lições de vida, broncas pontuais, beliscões em agentes públicos e elogios a pessoas merecidas. Nas décadas de 1950-60, delineou scripts e narrações de 86 fitas de cinejornais da Cometa Filmes exibidas numa época em que ir-se ao cinema era um ritual das relações coesivas do povo.
“Jornais de Rio Preto” exigiu meses de investigação hemerográfica. De cada pequena ou grande publicação, a partir de 1903, a autora narrou com letras videntes as citações essenciais, o feito relevante. Realçou inclinações e interesses editoriais, o estar-se de bem com anunciantes e a clássica arrogância de facções políticas dominantes, a tilintarem forças, moedas. Ao focar “A Phalena” (1924), pioneira revista rio-pretana, diz a professora que “caçamos borboletas no tempo, debruçamo-nos no sonho do colecionador procurando espécies raras sem desprezar as comuns”. E admitia: “Capturamos o que foi possível neste ensaio, modesto ponto de partida para ampliações e revisões”.
Em seu estilo peculiar de discernir, criticar e escrever, a artista concebeu um livro de apresentação gráfica bem simplesinha, até simplória, mas com o devido rigor e completude. Como a autora predizia, quiçá no futuro “Jornais de Rio Preto” seja revisto, atualizado, reeditado. Numa aurora de outono as rotativas se silenciaram. Era 1º. de maio, o Dia do Trabalho. A incansável lavradora de opiniões sensatas, mestra imprescindível e escritora laureada nos deixou. Toda vestida com panos bordados por ela mesma e a magistral grandeza dos humildes (Dinorath do Valle, Itápolis, SP, 1926-2004).
ROMILDO SANT’ANNA
Crítico de arte e jornalista. Livre-docente pela Unesp, é membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec). Escreve quinzenalmente neste espaço aos domingos