Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Ecos da pandemia: o legado da ansiedade

A pandemia não trouxe um mundo melhor. Mas é possível ser agente dessa mudança. Afinal, todos estamos escrevendo a narrativa de um futuro, que pode ser mais humano, ou não. Depende de nossas escolhas

por Sérgio Clementino
Publicado em 28/07/2025 às 21:55Atualizado em 29/07/2025 às 08:37
Sérgio Clementino (Sérgio Clementino)
Sérgio Clementino (Sérgio Clementino)
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Quando o mundo parou, em março de 2020, a humanidade foi forçada a se olhar no espelho. Muitos acreditavam que, ao final da pandemia, emergiríamos mais sábios, mais solidários e mais empáticos. A ideia era de que a tragédia poderia nos ensinar lições valiosas, um convite à coletividade e à reflexão. Contudo, conforme os meses foram passando, a promessa de um mundo melhor começou a se dissipar como a fumaça de um incêndio que, em vez de se extinguir, se alastrava.

Hoje, ao observar o cotidiano, é difícil não notar as marcas deixadas por aquele período. O que poderia ter sido um renascimento de valores humanos parece ter se transformado em uma rotina de ansiedade, estresse e reatividade. Cada vez mais as pessoas se mostram soterradas por uma pressão que parece não ter fim. No trabalho, sinais de esgotamento e excesso de obrigações. No trânsito, olhares irritados, as discussões acaloradas por motivos banais. Nas famílias, na política, enfim, nos grupos em geral, há fadiga, incômodos e desencantos. A percepção de que todos estão sobrecarregados é quase palpável. Conversas que antes giravam em torno de sonhos e planos agora se limitam a desabafos sobre a dificuldade de lidar com a rotina, a polaridade de um País dividido, o desconforto com o outro. O que antes era uma troca leve de ideias tornou-se um espaço de descompressão, onde as pessoas compartilham suas lutas diárias, como se estivessem tentando encontrar um fio de conexão em meio ao caos.

As estatísticas sobre saúde mental têm revelado um aumento alarmante de transtornos, desde a depressão até a síndrome do pânico. As redes sociais, que antes eram uma forma de conexão, passaram a ser um espelho distorcido que amplifica as inseguranças, criando um ciclo vicioso de comparação e insatisfação. Nem todos estão conseguindo navegar tranquilamente no mar da realidade complexa e desafiadora que nos cerca.

Precisamos falar sobre isso. O estigma em torno da saúde mental ainda existe, mas é necessário conversar sobre a ansiedade, sobre a sobrecarga emocional, sobre o que cada um consegue suportar. A vulnerabilidade não deve ser vista como fraqueza, mas como um sinal de coragem. Falar sobre saúde mental é um ato de empatia. Quando abrimos espaço para que as pessoas compartilhem suas lutas, estamos, na verdade, construindo uma rede de apoio. Precisamos aprender a ouvir, a acolher e a entender que cada um está lutando suas batalhas internas. A solidariedade que se esperava florescer durante a pandemia pode ser cultivada diariamente. Empatia se traduz em ações concretas: uma palavra de apoio, um gesto de carinho, um espaço para o outro expressar suas emoções. É na soma dessas pequenas atitudes que podemos, de fato, transformar a realidade ao nosso redor. A pandemia não trouxe um mundo melhor. Mas é possível ser agente dessa mudança. Afinal, todos estamos escrevendo a narrativa de um futuro, que pode ser mais humano, ou não. Depende de nossas escolhas.

SÉRGIO CLEMENTINO

Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras