Maluco Beleza
Um famoso cantor da Jovem Guarda ia fazer um show em Salvador e precisava de uma banda de apoio. Jerry Adriani gostou de Raul e, assim, nasceu uma amizade que duraria para sempre, apesar da diferença de personalidade e de estilo entre ambos

Dia 28 de junho, se estivesse vivo, Raul Seixas faria 80 anos. Nasceu em Salvador, Bahia. Quando jovem, detestava ir à escola. Repetia de ano frequentemente. Preferia ouvir discos de rock. Aos 14 anos, fundou o Elvis Rock Club, que estava mais para uma gangue do que para um clube. Embora não gostasse muito, vivia caçando briga e fazendo arruaça, pois acreditava que essa era a maneira de ser dos roqueiros. A família, para tentar discipliná-lo, matriculou-o num colégio de padres. Foi quando começou a ler. Gostava de filosofia, psicologia, história, latim e literatura.
Montou uma banda, “Raulzito e os Panteras”, que tocava na noite de Salvador. Um dia, o acaso (sempre o acaso...) bateu à sua porta. Um famoso cantor da Jovem Guarda ia fazer um show em Salvador e precisava de uma banda de apoio. Jerry Adriani gostou de Raul e, assim, nasceu uma amizade que duraria para sempre, apesar da diferença de personalidade e de estilo entre ambos. Levou-o ao Rio de Janeiro, apresentou-o à sua gravadora e cantou suas composições. Mas seu estilo diferente não fez sucesso no início. Passou dificuldades e até mesmo fome, fato que comentaria na música “Ouro de Tolo” (1973).
Depois de ter voltado para a Bahia por um breve período, retornou ao Rio de Janeiro, onde, com a ajuda de Jerry Adriani, foi convidado a ser produtor fonográfico da gravadora CBS. Fez novas amizades. Um de seus novos parceiros era Leno, outro ídolo da Jovem Guarda, que fazia dueto com Lilian, namorada de Renato Barros (“e seus Blue Caps”). Vários cantores começaram a gravar suas músicas. Raul tinha se tornado um respeitável executivo da gravadora. O sucesso, ainda que na voz de outros cantores, havia chegado.
Tudo mudou a partir da amizade e da parceria com Sérgio Sampaio (autor de “Eu quero é botar meu bloco na rua”). Começou a cantar novamente. Gravava discos com nomes inusitados: “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10” (1971), “Krig-Há, Bandolo!” (1973), inspirado num grito de Tarzan, que trazia “Metamorfose Ambulante”, “Ouro de Tolo”, “Al Capone” e “Mosca na Sopa”; e seu álbum de maior sucesso, “Gita” (1974), palavra que significa, em brâmane, “poema”. Neste álbum tinha, além da faixa-título, “Sociedade Alternativa” e “Medo da Chuva”. Ele compôs várias dessas músicas com o escritor Paulo Coelho, outro de seus grandes parceiros. Fez ainda o álbum infantil “Plunct, Plact, Zuuum” (1983) e “Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!”, que traz “Cowboy Fora da Lei”.
Teve uma carreira muito irregular. O alcoolismo, as drogas, o diabetes e a pancreatite o levaram muito novo, aos 44 anos, em 1989. É considerado o “Pai do Rock Brasileiro”. Influenciou gerações de músicos. Para mim, que acredito que ele “nasceu há dez mil anos atrás”, estará sempre vivo, pois sua música jamais envelhecerá.
TOUFIC ANBAR NETO
Médico-cirurgião, diretor da Faceres, escritor e membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec). Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras