Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

O velho Mestre

por Merli Diniz
Publicado em 15/10/2025 às 20:05Atualizado há 19 horas
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Outros tempos e já eram denunciadas as dificuldades no exercício do Magistério, que infelizmente permanecem.

Andava muito doente o velho professor.

Por isso, ele já não tinha, agora,

O mesmo ardor que outrora o possuía,

E o animava dantes.

Às vezes, quando em aula,

- Havia mesmo instantes!

Em que inclinava a fronte,

Aquela fronte austera e cansada,

Onde já desabrochava a flor da primavera

E cochilava um pouco, involuntariamente.

O velho professor andava muito doente.

Mas, era tamanho o bem que nos queria

Que jamais quis pedir aposentadoria.

Era o primeiro a aparecer na escola

Com suas joviais maneiras tão simpáticas

Não obstante sentir umas dores reumáticas

Que o faziam sofrer muito, ultimamente.

O velho professor andava muito doente.

Um dia chegou mais tarde, alguns instantes.

Trazia, nas feições sérias de sofrimento,

A palidez do rosto.

Seus olhos encovados,

Denunciavam seus pesares ignorados

E, como que pra’ tornar a dor mais manifesta,

Cravara-lhe fundo uma ruga na testa,

Franzia-lhe a cara uma expressão de horror

Andava muito doente o velho professor.

A aula começou,

Mas pouco antes das onze,

O velho mestre, o bom trabalhador de bronze,

Que já perto de trinta anos, ou mais, havia

Que gigantesco herói, lutava, dia a dia

Para a glória da Pátria e para o bem da infância

Dando combate ao vício e à ignorância,

Sentindo uma dor nos agudos abrolhos

Curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.

Lá fora surgia o sol, a manhã era calma, risonha.

A natureza abria sua alma repleta de alegria,

E cheia de esplendores...

Pela janela entrava o hálito das flores,

Naquela atmosfera azul, lavada fina.

Ressoava baixinho, assim como em surdina,

Um canto celestial, harmonioso e suave,

Anjos tocando em suas harpas alguma canção de ave.

Nisso, ergue-se um aluno, um pândego, um peralta,

Fabricou de jornal um chapéu de copa alta

E... bem devagarinho,

(Que ideia travessa!)

Chegou-se junto ao professor e zás!

Enfiou-lhe o chapéu na cabeça.

O mestre nem abriu o sonolento olhar.

Ante aquele ato vil,

De traição!

De improviso,

Rebentou, uníssono, pela sala

Estardalhante riso.

De súbito, surgiu o diretor.

Demudou-lhe os gestos,

Estremeceu-lhe a fala, transtornado.

Transformando a mansidão de bois

Em fúria de leão,nos perguntou:

Quem foi?

Quem foi este vilão que fez tal brejeirice

Sem respeito algum às cãs desta velhice?

Ninguém respondeu,

Ninguém denunciou da brincadeira o autor.

Silencioso, sereno, como um dom

Dormia o velho professor.

O diretor, então,

Com doçura, chegou-se junto à mesa.

Via-se em seu rosto o incômodo, a surpresa,

De que o sono do mestre, assim se prolongasse.

Curvou-se meigamente e levantou-lhe a face....

Mas, tremendo, recuou.

Aterrorizado!

Aniquilado!

Mudo!

Absorto!

O velho professor...

Estava morto!

MERLI DINIZ

Professora, advogada, poeta e cronista. Vice coordenadora da Comissão de Direito e Literatura da 22ªSubseção da OAB Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às quintas-feiras

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