VOZES VAZIAS
Em tempos não tão distantes, o mundo da influência era moldado por pensadores, escritores e figuras que realmente contribuíam para o crescimento intelectual e cultural da sociedade

Sempre houve influenciadores. Pessoas que, de alguma maneira, mudaram a forma de pensar, agir e viver dos demais seres humanos. Em tempos não tão distantes, o mundo da influência era moldado por pensadores, escritores e figuras que realmente contribuíam para o crescimento intelectual e cultural da sociedade. Autores como Machado de Assis ou pensadores como John Locke e Adam Smith não eram apenas admirados; suas ideias moldavam a forma como as pessoas viam o mundo. Livros, ensaios e palestras não se se limitavam a entreter, eles desafiavam o pensamento crítico, instigavam debates e promoviam uma reflexão sobre a existência.
Com as redes sociais, esse cenário mudou. A comunicação rápida, visual e superficial fez emergir a figura do influenciador digital, uma nova forma de referência, mas desprovida de conteúdo. Hoje não é necessário conhecimento ou visão de mundo para arrebanhar seguidores. Bastam alguns truques de edição, a habilidade de falar para a câmera. A autenticidade foi substituída pela aparência, a influência é medida pela quantidade de “likes” e “seguidores”. A inexigibilidade de conteúdo trouxe um efeito colateral perigoso: a dispensa de caráter. Tem sido cada vez mais comum influenciadores que, longe de serem modelos de virtude, se veem envolvidos em crimes e escândalos. Casos como os de Hytalo Santos, Karol Digital e MauMau mostraram a fragilidade da influência de figuras com milhões de seguidores e o risco da popularidade sem conteúdo. Como é possível que eles tenham conseguido cativar um público tão vasto?
A resposta pode estar na busca incessante por validação e pertencimento. Em um mundo saturado de informação, onde o conhecimento é ofuscado por ruídos e superficialidades, buscam-se figuras que representam uma realidade mais próxima, mesmo que distorcida. A habilidade de entreter é mais valiosa do que a substância. Assim, práticas questionáveis do influenciador são ignoradas por seus seguidores em favor da conexão emocional que sentem. É um jogo de espelhos: as pessoas seguem o que desejam ver e não o que deveria ser seguido. A atração pelo influenciador nocivo mostra o reflexo da própria vida pessoal vazia. Uma prática que, em vez de incentivar o crescimento pessoal e intelectual, perpetua ciclos de desinformação e comportamentos problemáticos. O que antes era uma busca por conhecimento e evolução pessoal se transformou em um espetáculo onde reina a superficialidade. É um paradoxo: a informação está mais acessível do que nunca, porém nunca houve tanta desinformação. As vozes que ecoam nas redes sociais não são as mais sábias ou éticas, são apenas as mais barulhentas.
Será que um dia voltaremos a valorizar o conhecimento e a profundidade, ou estaremos condenados a viver em um mundo onde a influência se baseia na capacidade de encantar, independentemente do conteúdo? A esperança reside na capacidade humana de buscar a essência e a verdade, mesmo em um mar de vozes vazias.
SÉRGIO CLEMENTINO
Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras