Diário da Região
SENTENÇA

Bolsonaro é condenado a pagar R$ 1 milhão por declarações racistas

Bolsonaro fez comentários associando o cabelo "black power" de um apoiador negro à sujeira e a um "criatório de baratas"; a 3ª Turma do TRF-4, em Porto Alegre, considerou, de forma unânime, que houve dano moral coletivo

por Agência Estado
Publicado em 16/09/2025 às 16:46Atualizado em 16/09/2025 às 19:59
Jair Messias Bolsonaro (Lula Marques / Agência Brasil)
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Jair Messias Bolsonaro (Lula Marques / Agência Brasil)
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O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado nesta terça-feira, 16, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) por "declarações públicas de preconceito, discriminação e intolerância contra pessoas negras". É a segunda condenação do ex-presidente em menos de uma semana. Na quinta-feira, 11, Bolsonaro foi condenado a mais de 27 anos de pena privativa de liberdade pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O tribunal analisou uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF) em julho de 2021 após Bolsonaro fazer comentários associando o cabelo "black power" de um apoiador negro à sujeira. A 3.ª Turma do TRF-4, em Porto Alegre, considerou, de forma unânime, que houve dano moral coletivo, ou seja, ofensa a valores e interesses fundamentais de toda a sociedade e condenou o ex-presidente a pagar uma indenização de R$ 1 milhão.

A DPU e o MPF apontaram declarações discriminatórias do ex-presidente nos dias 4 e 6 de maio daquele ano, no dia 8 de julho e em um pronunciamento oficial nas redes sociais, durante a "live do presidente". Em uma de suas falas, Bolsonaro comparou o cabelo de um homem negro a um "criatório de baratas".

"Como está a criação de barata aí? Olha o criador de barata aqui", afirmou Bolsonaro para um apoiador no Palácio do Alvorada

Dois dias antes, no dia 6, Bolsonaro já havia feito piada semelhante. Ao avistar o mesmo apoiador no Palácio da Alvorada, o ex-presidente afirmou: "tô vendo uma barata aqui".

A ação civil pública apontou que as declarações de Bolsonaro "extrapolam os limites da ofensa individual" e configuram "verdadeira ofensa estigmatizante de discriminação e intolerância a qualquer pessoa negra".

"Desse modo, permitir a perpetuação de manifestações presidenciais públicas com conteúdo discriminatório e antidemocrático, como as apontadas na presente petição, é pavimentar o esgarçamento e a erosão dos valores constitucionais e democráticos, com efeitos que permanecerão no seio social ainda por décadas", diz o texto da ação civil pública.

Após a repercussão das declarações, o ex-presidente convidou o apoiador para a "live do presidente" e reforçou as manifestações Segundo a DPU e o MPF, "não externando qualquer arrependimento ou retratação, apenas buscando evidenciar que se tratou de uma suposta 'piada', sem contudo recuar da sua intenção de promover estigmas raciais pejorativos".

"Se eu tivesse um cabelo desse naquela época minha mãe me cobriria de pancada"; "você cria baratas aí mesmo?"; "você toma banho quantas vezes por mês?"; "vocês veem como é difícil fazer brincadeira no Brasil? Se vocês vissem as brincadeiras que eu faço com Hélio 'Negão' iam cair para trás" e "se criarem cota para feios, você vai ser deputado federal", afirmou Bolsonaro na live.

A DPU e o MPF pediram que Bolsonaro fosse condenado a pagar indenização por dano moral coletivo no valor mínimo de R$ 5 milhões. O TRF-4 diminuiu o valor. O dinheiro será destinado a um fundo público. Bolsonaro também terá que se retratar publicamente na imprensa e nas redes sociais.

"Pede-se, ainda, que a União realize campanha publicitária nacional (digital, de radiodifusão, por mídia indoor e mídia escrita) de combate ao racismo em todas as suas formas, com duração mínima de um ano, a ser selecionada e aprovada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em valor não inferior a R$ 10 milhões", diz a ação.

‘Mau gosto’

A advogada Karina Kufa, que representa o ex-presidente, argumentou antes do julgamento que o próprio alvo dos comentários negou ter se sentido ofendido. Na ocasião, o apoiador disse que não se incomodava com a piada por não ser um “negro vitimista”.

“Ele tem uma relação de proximidade com o réu. Em decorrência disso que faziam brincadeiras, mesmo que de mau gosto”, disse a advogada na sustentação oral.

Karina alegou também que as declarações podem ser taxas como “inadequadas, infelizes e deseducadas”, mas segundo ela não foram capazes de ofender outras pessoas.

“A situação posta nos autos não teve a dimensão e a gravidade que os autores afirmam, mesmo que constituam comentário infeliz e sem graça para a maioria das pessoas. Do contexto dos vídeos é possível inferir a intenção de um gracejo, ainda que rude, mas não se consegue extrair das colocações nem a intenção nem a efetiva configuração de uma ofensa de tal magnitude”, afirmou o advogada.